Platão: segunda navegação
É fundamental para entender a filosofia platônica analisar o novo clima espiritual e as respectivas soluções dadas pelo filósofo. Esse novo clima consiste na descoberta de uma realidade supra-sensível, ou seja, uma dimensão suprafísica de realidade que não havia sido vislumbrada pela filosofia da physis.
Embora os pré-socráticos já buscassem algo que pudesse fundamentalmente dar andamento a todo universo, como foi o caso de Anaxágoras, por exemplo, que pensou na necessidade de introduzir uma Inteligência universal. No entanto, será que essas causas existentes no mundo físico representam as verdadeiras causas? Ou elas são apenas causas que estão a serviço de causas anteriores e mais elevadas? A causa daquilo que é físico e mecânico não será, talvez, algo não-físico a não-mecânico?
Para responder a estes questionamentos Platão usou o que simbolicamente chama de "segunda navegação". Na linguagem dos homens do mar se dizia que "segunda navegação" era aquela realizada quando, cessando os ventos e não havendo mais utilidade das velas, se recorria aos remos. Na filosofia platônica, a primeira navegação representa os impulsos da filosofia pré-socrática. Mas como o empreendimento de buscar na natureza não era mais suficiente para responder aos questionamentos platônicos tem-se a segunda navegação.
A "segunda navegação" representa, ao contrário da filosofia pré-socrática, a contribuição pessoal de Platão, a navegação realizada sob o impulso de suas próprias forças, ou seja, em linguagem não metafórica, sua elaboração pessoal. A primeira navegação se revelara fundamentalmente fora de rota, considerando que os filósofos pré-socráticos não conseguiram explicar o sensível através do próprio sensível. Já a "segunda navegação" encontra a nova rota quando conduz à descoberta do supra-sensível, ou seja, do ser inteligível. Na primeira navegação, o filósofo ainda fica a mercê dos sentidos ao passo que, na "segunda navegação", Platão busca a libertação radical dos sentidos e do sensível.