Indústria Cultural
Indústria cultural, meios de comunicação de massa, cultura de massa
(...) a indústria cultural, os meios de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno da industrialização. É esta, através das alterações que produz no modo de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria (a cultural) e de cultura (a de massa), implantando numa e noutra os mesmo princípios em vigor na produção econômica em geral: o uso crescente da máquina e a submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina; a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. Estes são alguns dos traços marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa. Depois desses traços merecem uma atenção especial: a reificação (ou transformação em coisa: a coisificação) e a alienação. Para essa sociedade, o padrão maior (ou único) de avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto, a propriedade: tudo é julgado como coisa, portanto tudo se transforma em coisa - inclusive o homem. E esse homem reificado só pode ser um homem alienado: alienado de seu trabalho, trocado por um valor em moeda inferior às forças por ele gastas; alienado do produto de seu trabalho, que ele mesmo não pode comprar, pois seu trabalho não é remunerado à altura do produzido; alienado, enfim, em relação a tudo, alienado de seus projetos, da vida do país, de sua própria vida, uma vez que não dispõe de tempo livre, nem de instrumentos teóricos capazes de permitir-lhe a crítica de si mesmo e da sociedade.
Neste quadro, também a cultura - feita em série, industrialmente, para o grande número - passa a ser vista não como instrumento de crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome qualquer outra coisa. (...)
COELHO NETTO, José Teixeira. O que é indústria cultural.
Col. Primeiros Passos. São Paulo, Brasiliense, 1980. P. 10-11.
A indústria cultural
Tudo indica que o termo indústria cultural foi empregado pela primeira vez no livro Dialektik der Aufklärung, que Horkheimer e eu publicamos em 1947, em Amsterdã. Em nossos esboços tratava-se do problema da cultura de massa. Abandonamos essa última expressão para substituí-la por "indústria cultural", a fim de excluir de antemão a interpretação que agrada aos advogados da coisa; estes pretendem, com efeito, que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas, em suma, da forma contemporânea da arte popular. Ora, dessa arte a indústria cultura se distingue radicalmente. Ao juntar elementos de há muito correntes, ela atribui-lhes uma nova qualidade. Em todos os seus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo. Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos ajustam-se uns aos outros. Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa. A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos consumidores, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo de ambos. A arte superior se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento da natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não total. Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de cálculo; acessório da maquinaria. O consumidor não é rei, como a indústria cultural gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa industriam mas seu objeto. O termo mass media, que se introduz para designar indústria cultural, desvia, desde logo, a ênfase para aquilo que é inofensivo. Não se trata nem das massas em primeiro lugar, nem das técnicas de comunicação como tais, mas do espírito que lhes é insuflado, a saber, a voz de seu senhor. A indústria cultural abusa da consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que ela toma como dada a priori, e imutável. É excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se adaptar.
As mercadorias culturais da indústria se orientam, como disseram Brecht e Suhrkamp há já trinta anos, segundo princípio de sua comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e sua figuração adequada. Toda a práxis da indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro ás criações espirituais. A partir do momento em que essas mercadorias asseguram a vida de seus produtores no mercado, elas já estão contaminadas por essa motivação. Mas eles não almejavam o lucro senão de forma mediata, através de seu caráter autônomo. O que é novo na indústria cultural é o primado imediato e confesso do efeito, que por sua vez é precisamente calculado em seus produtos mais típicos. A autonomia das obras de arte que, é verdade, quase nunca existiu de forma pura e que sempre foi marcada por conexões de efeito, vê-se no limite abolida pela indústria cultural. Com ou sem a vontade consciente de seus promotores. Estes são tonto órgãos de execução como também os detentores do poder. Do ponto de vista econômico, eles estavam à procura de novas possibilidades da aplicação de capital em países mais desenvolvidos. As antigas possibilidades tornam-se cada vez mais precárias devido a esse mesmo processo de concentração, que por seu turno só torna possível a indústria cultural enquanto instituição poderosa. A cultura que, de acordo com seu próprio sentido, não somente obedecia aos homens, mas também sempre protestava contra a condição esclerosada na qual eles vivem, e nisso lhes fazia honra; essa cultura, por sua assimilação total aos homens, torna-se integrada a essa condição esclerosada; assim, ela avilta os homens ainda uma vez. As produções do espírito no estilo da indústria cultural não são mais também mercadorias, mas o são integralmente. Esse deslocamento é tão grande que suscita fenômenos inteiramente novos. Afinal, a indústria cultural não é mais obrigada a visar por toda parte aos interesses de lucro dos quais partiu. Esses objetivam-se na ideologia da indústria cultural e às vezes se emancipam da coação de vender as mercadorias culturais que, de qualquer maneira, devem ser absorvidas. A indústria cultural se transforma em public relations, a saber, a fabricação de um simples good-will, sem relação com os produtores ou objetos de venda particulares. Vai-se procurar o cliente para lhe vender um consentimento total e não-crítico, faz-se reclame para o mundo, assim como cada produto da indústria cultural é seu próprio reclame.
ADORNO, Theodor W. "Indústria Cultural". In COHN, Gabriel.
Comunicação e indústria Cultural. São Paulo,
Nacional/Edusp, 1971. P. 287-288